sexta-feira, 20 de março de 2009

CAVALARIA

Cavalaria medieval
Depois da queda do Império Romano, a Europa entrou num período de desordem e insegurança durante o qual os mais fortes impunham sua autoridade nos territórios que conseguiam controlar. Guerreiros bem adestrados, equipados com cavalo e armadura, entravam para o serviço dos senhores feudais, que os recompensavam com terras e vassalos.
A cavalaria surgiu como recurso de defesa dos romanos contra as invasões bárbaras, que usavam o cavalo, e substituiu paulatinamente a infantaria romana. Até o século X, a necessidade de defesa era tão grande que todo homem forte e corajoso era também um combatente. Esses guerreiros constituíram a base da hierarquia feudal: dependiam de um senhor ou suserano, ao qual se ligavam por juramento de fidelidade e por obrigações vassálicas. Atingindo a maioridade, eram armados cavaleiros.
No período carolíngio (do século VIII ao X), a cerimônia de sagração tinha um caráter exclusivamente leigo. A partir do século X, a cavalaria pesada tornou-se dominante e progressivamente exclusiva. Os exércitos do ocidente europeu se constituíam de pequenas tropas de cavaleiros fortemente armados, com capacetes de ferro que cobriam toda a cabeça e o rosto, corpo protegido por malhas de ferro, grande espada, punhal, lança e escudo. Mesmo os cavalos eram protegidos por malhas de ferro.
Essas transformações decorreram de melhorias técnicas adotadas na Europa ocidental e transformaram a cavalaria numa atividade altamente dispendiosa, à qual poucos tinham acesso. Os cavalos, raros no mundo cristão, quando apropriados ao combate alcançavam preços elevadíssimos; as táticas de combate exigiam constante renovação da montaria e as peças do armamento, em economias agrícolas e artesanais como as do período feudal, eram também muito valorizadas. Das restrições ao ingresso à cavalaria surgiu uma obrigação do vassalo em relação ao suserano: o dever de ajuda, contribuição obrigatória para auxiliar o senhor a armar cavaleiro seu filho primogênito.
O período áureo da cavalaria feudal transcorreu entre os séculos X e XII na Europa. O título de cavaleiro tornou-se hereditário e constituiu-se uma casta militar que adquiriu, por direito costumeiro, privilégios especiais. A cavalaria tornou-se então um monopólio dos descendentes de cavaleiros.
Cavalaria cristã. Embora tivesse como modelo as táticas das antigas tribos germânicas, a cavalaria cristã, ao contrário desses guerreiros rudes e individualistas, submeteu-se ao trabalho disciplinador do poder real e sobretudo da igreja, que a tornou obediente a certas regras e princípios.
O ingresso na cavalaria evoluiu com o tempo para um processo formal. O pretendente, geralmente nobre, iniciava sua formação como pajem, aos seis ou sete anos, em casa do próprio pai. Ao completar 12 anos, entrava para o serviço de seu senhor feudal e recebia instrução militar e formação em outras disciplinas. Essa etapa durava até que ele partisse, como escudeiro de seu senhor, para a guerra ou contendas menores, que não faltavam na época. Se provasse sua competência e tivesse meios para arcar com o dispendioso equipamento, era armado cavaleiro.
O cerimonial de ascensão a cavaleiro variou consideravelmente ao longo da história e nas diferentes regiões da Europa. O ritual podia ser complexo, realizado na presença do rei e em dia de festa, ou muito simples, no próprio campo de batalha. O jejum, a vigília das armas, a comunhão e a bênção da espada constituíam a base do cerimonial. O aspirante a cavaleiro pronunciava então seu juramento, segundo diferentes fórmulas. Finalmente, o jovem recebia no ombro ou na nuca um golpe desferido por seu senhor com a parte plana da espada.
No século XI, certas fórmulas do ritual punham em evidência a influência da igreja: o sacerdote benzia a espada e lembrava que ela devia servir à igreja, às viúvas, aos órfãos e a todos os servidores de Deus contra a crueldade dos pagãos. Nessa época, os cristãos da Europa ocidental batiam-se em três frentes: nas fronteiras orientais da Germânia, contra os eslavos dos reinos ibéricos e contra os muçulmanos da Espanha; no império bizantino, contra os turcos islamizados. No século XII, o ritual incluía a purificação com um banho e o cavaleiro recebia uma camisa de linho, símbolo da pureza, e uma túnica vermelha, imagem do sangue que devia verter em defesa do ideal cristão.
Os ideais da cavalaria foram enriquecidos com a adoção rigorosa dos princípios cristãos, como o respeito à igreja, a busca do Santo Graal, lealdade ao senhor, defesa da honra e outros. A fase de cristianização da cavalaria culminou com as cruzadas, que uniram num esforço comum os cavaleiros da Europa cristã. A igreja e as monarquias de diversos países criaram as ordens militares, de duplo caráter -- religioso e militar --, cujo objetivo era defender a fé cristã e, no caso da Espanha, reconquistar os territórios ocupados pelos muçulmanos. A mais antiga dessas ordens foi a dos Hospitalários de São João de Jerusalém, mais tarde chamada dos Cavaleiros de Rodes e em seguida de Malta. Outras ordens não menos importantes foram as dos Templários, a do Santo Sepulcro e a de São Lázaro. Na Espanha, destacaram-se as ordens de Calatrava, de Santiago e Alcântara.
Do final do século XI a meados do XIII, as relações entre os cavaleiros e o sistema feudal sofreram profunda mudança. As hostes feudais, que haviam sido úteis para a defesa no interior de um reino, mostraram-se ineficientes para expedições prolongadas como as cruzadas. Os reis começaram então a desvirtuar os princípios da cavalaria, outorgando ordens a grandes proprietários de terras e organizando exércitos mercenários.
O fim das cruzadas e a inferioridade militar dos cavaleiros frente à infantaria, aos regimentos de arqueiros e à recém-surgida artilharia, assim como a decadência do sistema feudal em favor das monarquias centralizadoras, acabaram, ao longo dos séculos XIV e XV, com a cavalaria medieval. Difundiu-se então o ideal galante dos cavaleiros andantes, exaltado pela literatura de cavalaria e materializado nos torneios, justas e passes de armas.
No século XIV, o aperfeiçoamento das armas de fogo curtas e a formação dos corpos de cavalaria ligeira próprios dos exércitos modernos determinaram a obsolescência bélica da antiga cavalaria pesada. A tática tradicional dos cavaleiros medievais - carga contra a linha inimiga mediante o emprego de lanças e espadas pesadas - foi substituída pela mobilidade da nova cavalaria, cujo ataque se apoiava em arcabuzes e balestras.
Convertidos em casta nobiliárquica subordinada ao poder real, os cavaleiros perderam a condição de guerreiros e passaram a viver de rendas ou como cortesãos. A decadência dos ideais da cavalaria na Espanha do século XVI foi magistralmente descrita por Miguel de Cervantes na obra El ingenioso hidalgo don Quijote de la Mancha.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado pelo seu comentário, sinta-se sempre a vontade para fazê-lo.